Edição: Eunice Gomes
Foto/Capa: Letícia Azevedo/Decom/HRP-Unicamp
Nos corredores vozes se misturam ao som ritmado dos passos no chão. O aroma do café recém passado invade as narinas, misturado com os diferentes perfumes cítricos e doces, enquanto os raios de Sol da manhã iluminam todo o ambiente que, por todos os lados, contém placas de sinalização que abusaram das cores primárias. Detalhes, aparentemente, insignificantes para muitas pessoas, mas que se destacam e ecoam em grande escala para quem tem o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Em pleno Abril Azul, quando o mundo reflete sobre o autismo, o Departamento de Comunicação (Decom) divulga a história inspiradora e esclarecedora de uma mulher que teve o diagnóstico de TEA aos 31 anos, após suspeitar do espectro da filha.
Lia Monteiro, 33 anos, auxiliar de Farmácia do Hospital Regional de Piracicaba (HRP-Unicamp), percebeu que sua filha Sara, com 7 anos atualmente, apresentava comportamentos de desenvolvimento distintos. Após consultas médicas, realizadas próximo aos três anos de Sara, ela foi diagnosticada com TEA de grau leve. Com a revelação do diagnóstico, Lia mergulhou nos estudos sobre o autismo e notou semelhanças em suas próprias características e após buscar por avaliação profissional, também recebeu o diagnostico de TEA de grau leve, aos 31 anos.

“Depois do diagnóstico, senti como se agora tudo tivesse uma explicação. Tudo o que passei fez sentido, eu não era só a pessoa estranha, a menina excluída e arrogante, que não se misturava. Como eu não sabia que eu tinha alguma coisa, eu fui me adaptando, porque eu não sabia que era diferente”, contou Lia Monteiro, 33 anos, HRP-Unicamp)
Lia é uma entre os seis milhões de brasileiros diagnosticados com algum grau de autismo, como mostra o estudo “Retratos do Autismo no Brasil em 2023”, realizado pela rede de cuidado de saúde atípica Genial Care em parceria com a plataforma de saúde e tecnologia Tismoo.me, ambas especializadas no cuidado e desenvolvimento de autistas.
Baseado nos dados da agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Disease Control and Prevention (Controle e Prevenção de Doenças- CPD), estima-se que uma em cada 36 crianças tenha autismo. Paralelamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) indica que 1% da população mundial está no espectro do autismo.
A auxiliar de Farmácia enfatiza ainda que cada pessoa no espectro do autismo possui suas características únicas. Assim como indivíduos fora do espectro, cada um pode manifestar uma variedade de sintomas e níveis de gravidade, como comportamentos repetitivos, fixação em interesses específicos e limitações na amplitude de interesses.
Ser autista é ser uma pessoa como qualquer outra, só que com particularidades mais expressivas do que os outros e como nenhuma pessoa é igual a outra, o autista também não é”, disse Lia.
Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico precoce pode amenizar os sintomas significativamente e diminuir em até dois terços os custos de cuidados ao longo da vida. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda atualmente a escala M-CHAT, um teste com 23 questões de sim/não respondidas pelos pais de crianças entre 16 e 30 meses durante uma consulta pediátrica.
O diagnóstico possibilita um tratamento personalizado, adaptado às necessidades específicas da criança. Em casos de grau 1 de suporte, os prejuízos são leves, permitindo que a criança ainda possa estudar, trabalhar e se relacionar. Para aqueles com grau 2 de suporte, há uma dependência moderada, requerendo auxílio em atividades diárias como higiene pessoal e preparo de refeições. Por fim, indivíduos com grau 3 de suporte enfrentam dificuldades mais graves, necessitando de apoio especializado ao longo de suas vidas.
“Atualmente temos muito mais acesso à comunicação do que antigamente, porque não se falava sobre autismo e hoje o autista é atendido por uma equipe multidisciplinar, como fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros. Com minha filha, por exemplo, depois do diagnóstico, já iniciamos as terapias e os tratamentos e é gritante o desenvolvimento dela”, avaliou Lia.
Lia ressalta que a banalização do autismo é um desafio significativo para a sociedade contemporânea, já que muitas pessoas desconhecem a amplitude do espectro e as necessidades individuais. Isso inclui até mesmo pais que estão iniciando a jornada com seus filhos autistas e que se surpreendem ao ver adultos com autismo levando suas vidas de maneira normal.
“Os pais que não tinham acesso à informação sobre o autismo até ter o filho diagnosticado, geralmente quando descobrem que eu também sou autista, me fazem perguntas e falam ‘poxa se você conseguiu, isso quer dizer que meu filho também pode conseguir ter uma vida normal’. Eles não conseguem ver além do momento inicial, que realmente é muito difícil. Então a gente acaba até se surpreendendo, porque nunca pensei que eu seria um exemplo para alguém e acabou que me tornei para vários pais”, comentou a auxiliar de Farmácia.

A identificação da pessoa com TEA é um das conquistas que ainda precisam ser consolidada em locais de trabalho e público. O uso de cordão ou símbolos do espectro bordados nas roupas ou mochilas, facilita a vida dos portadores de TEA, garantindo o reconhecimento e compreensão das necessidades das pessoas com o espectro, defende Lia. Além de facilitar o acesso a serviços e apoio adequados, essa identificação promove a segurança e proteção dos indivíduos em situações de emergência ou quando necessitam de assistência. “É importante ter uma sinalização, porque eu posso ter uma crise e as pessoas não saberem e podem agir de forma negativa”, reforça Lia.
A Prefeitura de Piracicaba, por meio da Secretaria Municipal de Governo, desde 2023 já fornece o cartão Pira Cidadão com identificação para pessoas autistas (CIPTea). Para obter esses cartões, os interessados precisam fazer a solicitação de forma online, por meio do aplicativo Cartão Pira Cidadão, ou agendar atendimento presencial pelo WhatsApp (19) 9 9458-3813, como consta no portal da Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba (SMS).
Atendimento às pessoas com TEA no Sistema Único de Saúde (SUS)
O Ministério da Saúde orienta que em casos suspeitos de Transtorno do Espectro Autista, o paciente deve ser levado à Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da residência dele para avaliação da equipe de Atenção Primária. Caso necessário, será encaminhado para a Atenção Especializada em Reabilitação.
O Projeto Terapêutico Singular (PTS) é desenvolvido por meio do trabalho multiprofissional e interdisciplinar, com foco no planejamento da reabilitação, definição de objetivos terapêuticos e a indicação do uso de recursos e metodologias terapêuticas a serem adotadas.
A gestão direta da prestação de serviços aos usuários no âmbito da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência é de responsabilidade dos gestores locais (Secretarias de Saúde Municipais e Estaduais ou do Distrito Federal), como programar e regular os serviços e o acesso da população de acordo com as necessidades identificadas.
SAIBA MAIS:
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por comprometimentos no comportamento social, na comunicação e na linguagem, além de interesses e atividades repetitivas e específicas. Geralmente, o TEA surge na infância e persiste na adolescência e vida adulta, muitas vezes evidente antes dos cinco anos de idade. Pessoas com TEA frequentemente apresentam condições coexistentes, como epilepsia, depressão, ansiedade e TDAH. O funcionamento intelectual varia amplamente, desde comprometimento profundo até níveis superiores.
(Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde)